terça-feira, 30 de julho de 2002

Mais um pouquinho da Silvana...

Os hibiscos ainda florescem

Tenho doze anos de idade
e estou indo pra casa.
Venho da escola, saí escondida
pelo portão dos fundos
e vou na chuva, delirando.
Vou devagar, olhando
o mundo embaçado,
respirando a terra úmida.
(amanhã vai ter muita
minhoca no quintal)


Espio alegre as pessoas,
que correm mais dos pingos
do que o diabo da cruz.
A vida fica engraçada
quando chove, e é só nisso
que consigo pensar.
(seres humanos sonham ser
impermeáveis)

Da rua, posso ver pela
janela da casa de D. Anita,
que ela está amassando o pão,
em cima da mesa de jantar,
onde mistura farinha,
fermento, ternura e ovos.

No jardim de D. Dolores
os hibiscos de todas
as cores dos meus lápis
de cor, tremem arrepiados
de frio e felicidade.

Vinte anos depois,
vou me lembrar deste dia.
E com tanta exatidão,
vou sentir o cheiro do pão
da D. Anita, que há tempos
passou desta pra melhor.
Embriagada pelo jardim colorido
de D. Dolores, outra que já se foi,
vou entender que a natureza se
renova a seu modo e persiste,
diferentemente de mim.
(ainda aprendo a ser flor)

Mas isso,
só daqui a vinte anos.
Hoje eu sou somente
uma menina indo pra casa.

(Silvana Guimarães)